Economia

‘Mercado’ vê Selic sem surpresa e avalia mal o adiamento do anúncio do novo arcabouço

Consultores de investimentos ouvidos por CartaCapital divergem nas expectativas sobre possível corte nos juros

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Foto: Raphael Ribeiro/BCB
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Economistas do ‘mercado’ consideram a manutenção da taxa Selic em 13,75% uma decisão previsível, criticam o adiamento da apresentação do novo arcabouço fiscal e projetam a redução de juros a passos lentos. As avaliações foram coletadas por CartaCapital nesta quarta-feira 22, após o Banco Central anunciar o percentual pela quinta vez.

Os juros são um dos principais instrumentos do Banco Central para controlar a inflação, índice que afeta os preços dos produtos. A taxa Selic, que dá base aos juros no Brasil, é uma das maiores do mundo.

Segundo o comunicado do BC, desde a última reunião do Copom, em 1º de fevereiro, a piora do ambiente externo, com episódios que envolvem bancos nos Estados Unidos e na Europa (Silicon Valley Bank e Credit Suisse), é um dos “fatores de risco” para a inflação crescer no Brasil.

Aliada a isso está a incerteza sobre o arcabouço fiscal a ser apresentado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e quais serão os seus impactos na dívida pública.

A decisão de manter os juros nesse nível contraria as pressões do governo para que o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, anunciasse uma redução. Em diferentes entrevistas, Lula disse que o Banco Central não tem justificativa para manter os juros no percentual de hoje.

Para Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, o boletim não veio no tom que o governo gostaria. O comunicado veio em linha com o comportamento que o Copom tem adotado, e os investidores devem manter a expectativa de manutenção da atual taxa de juros.

“Continua sendo um consenso no mercado de que não deve haver cortes da taxa na reunião de maio”, avalia.

Atores do governo nutriam a expectativa de que o Banco Central anunciasse a redução dos juros, com a apresentação do arcabouço fiscal nesta semana. A ideia do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era resolver a questão antes da viagem de Lula à China, marcada para o dia 26. Porém, a conclusão do debate ficou para abril.

Ao site Brasil 247, o presidente justificou que “seria estranho anunciar e ir embora”. O plano deve substituir o teto de gastos, estabelecido no governo de Michel Temer (MDB), que congelou gastos em saúde e educação.

Cláudio R. Frischtak, sócio gestor da Inter.B – Consultoria Internacional de Negócios, o adiamento não foi bom porque trouxe a percepção de divisão do governo e de “fritura” de Haddad. Em sua avaliação, o governo deveria se unir em torno do ministro da Fazenda e reconhecer que os ataques ao Banco Central têm sido contraproducentes.

O consultor opina que a política fiscal, até o momento, é de expansão da dívida do País, por causa da aprovação da ampliação de verbas sociais. Para inverter essa trajetória, o governo deveria perseguir um superávit superior a 2% do Produto Interno Bruno, percentual que não deve ser alcançado neste ano, nem em 2024.

O urgente agora, portanto, é que o governo apresente o arcabouço fiscal e encare a inflação elevada como a questão central, diz ele. A projeção da inflação em março é de 5,95%, enquanto a meta é de 3,25% para este ano, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos. Ou seja, o Brasil está acima da meta.

“Se o governo tem interesse de que haja uma redução de juros, e toda a sociedade tem, a última coisa a fazer é pressionar o Banco Central nesse sentido. Se o Banco Central aceita esse jogo, ele destrói a sua credibilidade”, avalia Frischtak. “A grande questão é assegurar que a inflação não saia do controle.”

Tebet: arcabouço bom traz redução em 45 dias

Na previsão da ministra do Planejamento, Simone Tebet, a redução dos juros pode ocorrer em 45 dias, caso o arcabouço seja bom. A declaração foi concedida em entrevista à rádio Capital, de Mato Grosso do Sul.

Para Andre Mamed, gestor de portfólio da Lifetime Asset Management, a expectativa de Tebet é viável, mas o adiamento do anúncio transmite um mau recado ao “mercado”.

“Sem dúvida, o adiamento foi muito ruim. O que o mercado fala é que está sendo enrolado e que o arcabouço é ‘fantasma'”, comenta o economista. “As dúvidas sobre o arcabouço fiscal pesaram muito sobre o Copom, mas se tiver o anúncio de um arcabouço bom, a gente pode ter um ciclo de cortes na Selic com rapidez.”

Luan Alves, analista-chefe da VG Research, leva em consideração a aprovação do novo plano fiscal por parte de agentes políticos como Tebet e Geraldo Alckmin.

Para ele, se a proposta for crível, há espaço para cortes de juros em 45 dias – eles não seriam expressivos, mas algo em torno de 0,25 e 0,5 ponto. O que o Banco Central pode fazer é indicar um ciclo de cortes, o que melhoraria as expectativas dos empresários e poderia fazer a Selic chegar a 11% no fim do ano.

Alves relembra que o Banco Central aumentou os juros durante o ano eleitoral, fato que amenizaria as críticas sobre falta de independência. Caso não agisse da mesma forma agora, poderia faltar com credibilidade ao “mercado”.

“O Banco Central fez um ciclo bem doloroso em um ano eleitoral, o que prejudicou a economia, mas ele se mostrou independente. Neste momento, ele acertou ao manter o discurso, para provar que não será influenciado pelas pressões políticas”, argumenta.

Carlos Caixeta, conselheiro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, diz que a abordagem de Tebet é otimista, mas avalia que a mera divulgação de um plano fiscal não é suficiente para o Banco Central cortar os juros.

A instituição, segundo ele, deve vigiar o cumprimento do arcabouço até tomar uma medida como essa. Em sua avaliação, esse prazo deve levar entre quatro e seis meses. Para ele, o adiamento do arcabouço cai mal.

O mercado interpreta esse adiamento como uma espécie de manobra política do presidente para abrir espaço a mais flexibilidades e gastos maiores, o que gera certo incômodo. É mais uma vez a liderança máxima pedindo tempo para um plano que geraria estabilidade”, afirma o economista.

Alguns impactos dos juros altos, segundo os economistas

  • A elevação de cada ponto percentual representa um aumento de 35 a 38 bilhões de reais nos gastos do governo na remuneração de títulos públicos;
  • O preço do dinheiro nos bancos fica mais caro, o que aumenta despesas das empresas e dificulta empréstimos;
  • O consumo diminui, o que prejudica a receita das empresas e paralisa a economia;
  • Um dos setores mais afetados é o do varejo, porque trabalha com “capital de giro” e perde vendas com a redução de clientes que compram produtos no crediário;
  • Outro setor prejudicado é o da indústria, que produz bens duráveis, muitas vezes adquiridos via financiamento. As parcelas ficam mais caras e comprometem mais os salários, o que impede consumidores de adquirirem bens essenciais, como eletrodomésticos, e diminui a demanda de produção das indústrias;
  • A paralisia na economia aumenta os riscos de demissões nas empresas, o que incide no índice de desemprego e amplia os problemas sociais do País.

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