Política

Entre reviravoltas e novos ciclos, os ventos no Nordeste seguem soprando à esquerda

O desenho eleitoral mostra que a região mantém o viés lulista, mas setores conservadores e bolsonaristas seguem fortes

A região elegeu quatro governadores no primeiro turno, todos apoiados por Lula (Fotos: Divulgação/Ricardo Stuckert)
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Famosa por suas praias paradisíacas e de água quente, o Nordeste é muito mais que isso. Os ventos da região – que representa o segundo maior colégio eleitoral do Brasil – sopram para o lado esquerdo, como revelaram as urnas neste domingo, 2 de outubro. As eleições deste ano confirmaram uma tradição que se repete desde 2002 e garantiu uma vitória acachapante de Lula contra Bolsonaro nos nove estados que compõe a região.

Quase 67% dos nordestinos preferem o ex-presidente ao ex-capitão, que amealhou na região apenas 26,8% dos votos. Nem mesmo o esquema milionário de compra de voto através do orçamento secreto e do Auxílio Brasil turbinado foram suficientes. Mais que isso, a região elegeu quatro governadores no primeiro turno, todos apoiados por Lula.

Rio Grande do Norte

A única mulher a governar um estado, a petista Fátima Bezerra, foi reeleita no Rio Grande do Norte com 58% dos votos, percentual semelhante ao do governador eleito do Piauí, Sílvio Mendes, do PT, que teve 57%. Ceará e Maranhão também resolveram a disputa no primeiro turno, elegendo, respectivamente, Elmano de Freitas, do PT, com 54%, e Carlos Brandão, do PSB, com 51%.

Governadora do Rio Grande do norte, Fatima Bezerra. (Foto: Wanezza Soares/CartaCapital)

Ceará

A eleição no Ceará marcou também o fim da era Ferreira Gomes. Ciro (PDT), que teve uma votação pífia no estado, apenas 6,8% – atrás até mesmo de Bolsonaro, que contou com o voto de 25% dos cearenses. Quase 66% dos cearenses votaram em Lula. O também petista Camilo Santana foi consagrado senador com 69,76%, saindo das urnas como o grande líder político do estado.

Elmano Freitas, do PT, desbancou o bolsonarista Capital Wagner, do União Brasil, que alcançou 31% dos votos, e Roberto Cláudio, do PDT, que terminou com 14% – lançado há pouco mais de três meses, quando Ciro conseguiu implodir a aliança entre o PDT e o PT, que governava o estado há 16 anos. 

Continuidade. No Ceará, Elmano de Freitas explora a boa avaliação do governo de Camilo Santana – Imagem: Redes sociais

“Com a ascensão do Camilo Santana e o racha na família Ferreira Gomes e no PDT, o tabuleiro político será remodelado”, destaca a socióloga Monalisa Torres, professora da Universidade Estadual do Ceará. “Podemos estar presenciando um novo ciclo político no estado.”

Bahia

Assim como no Ceará, houve uma reviravolta na disputa da Bahia, maior colégio eleitoral da região e quarto do país. Lá, o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, do União Brasil, liderava todas as pesquisas de opinião, com chances de vencer ainda no primeiro turno. Como em eleições anteriores, as pesquisas apontaram para um caminho e as urnas, outro. Jerônimo Rodrigues, do PT, lançado de última hora depois da desistência do senador Jaques Wagner para o cargo, por muito pouco não liquidou a fatura no primeiro turno. Obteve 49,45% dos votos, enquanto ACM Neto ficou com 40,80%. A tendência é de que o PT siga à frente do governo do estado, derrotando o ex-prefeito, que deve se agarrar a Bolsonaro para tentar reverter o favoritismo de Rodrigues.

Bahia. Jerônimo Rodrigues espera manter a vantagem para ACM Neto com a força de seu poderoso padrinho – Imagem: Ricardo Stuckert

Pernambuco

Pernambuco se soma ao Rio Grande do Norte e será governado por uma mulher. Isso porque vão disputar o segundo turno Marília Arraes, do Solidariedade, e Raquel Lyra, do PSDB. O candidato apoiado pelo PT no Estado foi Danilo Cabral, do PSB, que terminou em quarto colocado, com 18,03% dos votos, atrás até mesmo do bolsonarista Anderson Ferreira, do PL, que obteve 18,28% dos votos válidos. A diferença entre Marília e Raquel foi relativamente pequena, 23,97% e 20,58%, respectivamente, o que sinaliza um segundo turno indefinido.

As duas candidatas têm perfis bem parecidos, com origem no PSB, e são de famílias tradicionais da política pernambucana. Enquanto a primeira é neta de Miguel Arraes e prima de Eduardo Campos, a segunda é filha do ex-governador João Lyra e sobrinha do ex-ministro da Justiça, Fernando Lyra.

É possível que Marília tenha mais dificuldade de agregar apoios que Raquel, considerando a rivalidade que tem com o PSB de Danilo Cabral e a resistência a seu nome na cúpula do PT de Pernambuco. Muitos eleitores do PSB e do PT no estado já votaram nela no primeiro turno, ficando uma margem pequena para ampliar apoio desses dois partidos no segundo turno. Até o momento, as duas legendas não declararam apoio para o segundo turno. O maior cabo eleitoral de Marília poderá ser o ex-presidente Lula, que deve subir no palanque dela nesta segunda fase. A candidata fez campanha casada com o petista no primeiro turno, embora não tenha recebido o apoio oficial dele.

Marília Arraes. Foto: PH Reinaux

Hoje no PSDB, Raquel Lyra foi deputada estadual pelo PSB e secretária do governo Eduardo Campos. Em 2016 se elegeu prefeita de Caruaru, importante cidade do interior de Pernambuco, se reelegendo em 2020. Bem avaliada como prefeita, deixou o cargo para disputar o governo do Estado. Em quarto lugar na disputa para governador, o ex-prefeito de Petrolina, Miguel Coelho, do União Brasil, já declarou voto à tucana e pretende transferir para a candidata os quase 18% dos votos que obteve no primeiro turno. O mesmo deve acontecer com Anderson Ferreira, candidato que foi cotado para compor com Raquel ainda no primeiro turno. Um fato que marcou a eleição em Pernambuco e pode influenciar no resultado final foi a fatalidade da morte do marido de Raquel, o empresário Fernando Lucena, que teve um infarto fulminante na manhã do primeiro turno.

Paraíba

Na Paraíba, o governador João Azevedo, do PSB, assim como Marília Arraes, fez campanha casada com Lula, embora o candidato oficial do ex-presidente tenha sido Veneziano Vital, do MDB, que terminou em quarto lugar, com 17,16% dos votos. Azevedo saiu na frente, com 39,65% dos votos e disputará o segundo turno com Pedro Cunha Lima, do PSDB, que ficou com 23,90%. A maior derrota no estado foi a do ex-governador Ricardo Coutinho, do PT, que liderou por muito tempo a disputa pelo Senado, mas ficou em terceiro lugar, com apenas 21,55% dos votos. Efraim Filho, do União Brasil, é o novo senador eleito, com 30,82%.

Sergipe

A eleição em Sergipe foi a mais atípica entre todos os estados nordestinos. Líder em todas as pesquisas para governador, Valmir Francisquinho, do PL, teve a candidatura cassada às vésperas da votação. Na quinta, 29 de setembro, o TSE confirmou uma decisão do TRE de Sergipe, que indeferia a candidatura dele por abuso de poder econômico nas eleições de 2018, o que o tornou inelegível por oito anos. O candidato ainda recorreu, mas, no sábado 1º de outubro, o STF negou o recurso. O nome de Francisquinho continuou na urna, porque não deu tempo de ser retirado, mas foi excluído da plataforma de apuração. Os votos dados ao candidato foram considerados nulos. Com Francisquinho fora da disputa, garantiram vaga para o segundo turno Rogério Carvalho, do PT, que obteve 44,70% dos votos, e Fábio Mitidiere, do PSD, que ficou em segundo lugar com 38,91%.

Alagoas

Em Alagoas, o candidato de Lula também saiu na frente. Aliado do senador Renan Calheiro, o governador Paulo Dantas, do MDB, foi o mais votado, com 46,64%. Vai disputar a reeleição com Rodrigo Cunha, do União Brasil, escolhido por 26,79% dos alagoanos. O ex-presidente Fernando Collor, que no início da campanha recebia uma boa pontuação nas pesquisas, derreteu e terminou o pleito com 14,92% dos votos.

O tamanho da direita

O desenho eleitoral no Nordeste mostra que a região mantém o viés de esquerda, mas é importante pensar que setores conservadores seguem fortes. Exemplo disso foi a eleição de Rogério Marinho, ex-ministro de Bolsonaro, para senador no Rio Grande do Norte. Mesmo garantindo a reeleição no primeiro turno, Fátima Bezerra não elegeu seu candidato a senador, Carlos Eduardo, do PDT. No Piauí, o ex-governador Wellington Dias, do PT, se elegeu senador com uma pequena margem de diferença. Teve 51% dos votos, contra 47% de Joel Rodrigues, do PP, candidato do bolsonarista Ciro Nogueira. E olhe que o Piauí é o estado mais lulista do país: 74% dos piauienses votaram em Lula. 

Outra demonstração de força da direita na região foi a votação para o Congresso Nacional. A bancada evangélica cresceu consideravelmente. Em Alagoas, o presidente da Câmara e dono do orçamento secreto, Arthur Lira, do PP, foi o mais votado do estado, com 219 mil votos, o dobro da votação do segundo colocado.

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