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Um andar acima

Depois de priorizar os mais pobres em cem dias, Lula prepara medidas voltadas a quem ganha entre 2 e 10 salários

O governo, diz Costa, quer aliviar a vida das faixas de renda que “sofreram com os desgovernos”. Aposta na redução de IR e dos combustíveis – Imagem: Marcelo Camargo/ABR e Nelson Almeida/AFP
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Lula chega aos cem dias de governo disposto a mostrar ter cumprido promessas eleitorais feitas a quem não desistiu dele durante o cárcere curitibano e foi responsável por seu triunfo nas urnas em 2022: o povão. Desde janeiro, o governo botou na rua um Bolsa Família turbinado, ressuscitou os programas de moradia popular (Minha Casa Minha Vida), de oferta de médicos (Mais Médicos) e de estoques públicos de alimentos (PAA), corrigiu o salário mínimo acima da inflação e o repasse de verba à merenda escolar. Não deu tempo de relançar um projeto para disseminar o acesso à água em regiões secas, o Água Para Todos, mas na reunião ministerial que o presidente fará na segunda-feira 10 para prestar contas do mandato até aqui, o plano estará na mesa. Com a reunião e o balanço, Lula quer dar início a uma nova etapa de governo. “Temos que nos dirigir um pouco à classe média brasileira, porque, no fundo, ela tem sofrido os desgovernos deste País”, discursou em 20 de março.

Com enraizado sentimento antipetista, a classe média tinha má vontade com Lula na eleição e continua a ter. O governo é avaliado como “bom ou ótimo” por 40% dos brasileiros, na média de duas pesquisas de março, Ipec (ex-Ibope) e Datafolha. É um nível similar ao obtido por Lula nas urnas, 38% dos votos totais no segundo turno. Votos totais incluem brancos, nulos e abstenções, ou seja, todos os 156 milhões de brasileiros com título de eleitor. Quando se considera apenas a classe média, a situação piora. A avaliação “bom e ótimo” cai a 30% entre quem ganha de 2 a 5 salários mínimos, e a 26% entre quem tem renda de 5 a 10 mínimos, conforme o Datafolha. No primeiro grupo, 36% acham o governo “ruim ou péssimo”. No segundo, 47%. A desaprovação geral, não importa a renda, é de 28%, na média de Datafolha e Ipec.

A isenção de Imposto de Renda na faixa de 5 mil reais, promessa de campanha, está prestes a ser anunciada

No Palácio do Planalto, o resultado das pesquisas foi encarado de maneira rósea. Acredita-se que o petista quebrou parte da rejeição eleitoral, que era de 40% a 50%. Parcela da turma anti-Lula vê agora o governo como “regular” (30%, na média de Ipec e Datafolha). É o que diz o ministro da Casa Civil, Rui Costa. A aprovação do petista é menor agora do que quando ele havia deixado o poder, em 2010 (80%, 85%). Um auxiliar presidencial diz que o mundo mudou muito de lá para cá, e não só no Brasil. A política está mais polarizada, dividida. É difícil ostentar altos índices de popularidade. Nos EUA, a aprovação ao governo Biden é de cerca de 40%.

No México, Andrés Manuel López Obrador,­ um dos dois líderes mais populares do mundo (o outro é o indiano ­Narendra Modi), tem cerca de 60%.

De volta à classe média. Lula diz querer melhorar o poder aquisitivo dessas faixas. Uma das medidas preparadas para anunciar ainda neste ano é o aumento da isenção de Imposto de Renda, para 5 mil reais, promessa de campanha do petista. O primeiro passo foi dado em fevereiro, com o reajuste de 11% na isenção, agora em 2.112 reais mensais. Valerá a partir de maio, quando entra em vigor o salário mínimo de 1.320 reais. Cerca de 1,3 milhão de assalariados vão se livrar do “Leão”, nos cálculos da Unafisco, associação dos auditores fiscais. Com isenção até 5 mil, a Unafisco estimava na eleição que 17 milhões de contribuintes seriam favorecidos. Cada um embolsaria 370 reais a mais por mês (4.440 anuais), ao deixar de pagar IR. No ano passado, 36 milhões de trabalhadores entregaram declarações ao Fisco.

Com trocas no conselho de administração da Petrobras previstas para o fim de abril, Lula espera que a estatal comece a baratear a gasolina, ao enterrar a política adotada, desde Michel Temer, de seguir a cotação internacional. O presidente só autorizou a volta da cobrança de impostos federais no comércio de gasolina e álcool a partir de março, pois a companhia topou reduzir um pouco seus próprios preços, o que atenuaria o impacto final na bomba. Na comparação com fevereiro, a gasolina encareceu perto de 9% nos postos em março, em média.

Os brasileiros estão mais apreensivos. O Palácio do Planalto tenta mediar as diferenças entre Lira e Pacheco – Imagem: Tomaz Silva/ABR e Edilson Rodrigues/Ag.Senado

O presidente deseja satisfazer a classe média rural também. Em uma reunião com ministros na segunda-feira 3, orientou Carlos Fávaro, da Agricultura, e Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário, a olhar os produtores de porte médio. São pastas que, historicamente, se concentraram em dois “extremos”, segundo Rui Costa: o agronegócio e os assentados, respectivamente. Enquanto Lula dava a orientação, o MST ocupava uma fazenda tida como improdutiva em Timbaúba, cidade de 50 mil habitantes 100 quilômetros ao norte do Recife. Foi a terceira ocupação do ano. As outras haviam sido na Bahia, em março. São atos preparatórios do “abril vermelho”, manifestação periódica dos sem-terra em defesa da reforma agrária. A de agora será entre os dias 17 e 20. Pepino à vista para o governo e o movimento. No Congresso, bolsonaristas e ruralistas tentam criar uma CPI do MST, motivada pelas ocupações na Bahia. Já conseguiram o número mínimo de assinaturas de deputados, e agora é com o presidente da Câmara, Arthur Lira.

Após Lira ter sacudido Brasília com desafios ao Senado e ameaças de que o governo pagará o pato, tudo por causa de uma disputa de poder em torno da forma como os parlamentares examinam Medidas Provisórias, o Planalto acredita que as MPs mais urgentes serão votadas conforme manda a Constituição. O cabeça da articulação política lulista, ministro Alexandre Padilha, diz que, após a Páscoa, MPs como a do Bolsa Família e a do Minha Casa Minha Vida serão debatidas em comissões mistas de deputados e senadores, rito constitucional contra o qual Lira havia se insurgido. Nos bastidores, o Planalto admite que algum troco dará Lira, em parceria com aquele pessoal do dito “Centrão” até hoje descontente com os cargos oferecidos pelo governo. Troco que pode ser, entre outros, tirar a Companhia Nacional de Abastecimento do ministro Teixeira e devolvê-la à pasta da Agricultura, como era com Jair Bolsonaro.

*Fonte: média das pesquisas de março feitas por Ipec (ex-Ibope) e Datafolha
**Fonte: pesquisa de março do Datafolha

A criação das comissões das MPs e as futuras votações dessas medidas serão o teste definitivo sobre o tamanho da base governista no Congresso. Passados cem dias de governo, um importante deputado do PT diz: “Eu até agora não sei se o governo tem maioria aqui”. Um parlamentar do PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, acha que Lula ainda não entendeu que a forma de o governo se relacionar com o Congresso está bem diferente daquela de 2010. O Legislativo não depende tanto de cargos quanto antes, pois tem um caminhão de dinheiro para emendas parlamentares, obras incluídas no orçamento federal pelos congressistas. Até a oposição consegue emendas, graças ao seu caráter “impositivo”. Com tempo e paciência, diz um articulador político do governo, o Planalto terá mais influência sobre os parlamentares, justamente em razão do manejo das emendas pelos ministérios.

O petista que não sabe se o governo tem maioria no Congresso e um deputado colega de bancada, Lindbergh Farias, do Rio de Janeiro, compartilham uma preocupação comum: a economia. Farias acredita, desde a dura campanha, que o ibope de Lula será essencial à sobrevivência política do presidente e do PT, para proteger o mandatário da hostilidade e das chantagens congressuais. E a popularidade depende da melhora das condições de vida da população, expectativa que alimentou o voto em Lula. O Datafolha identificou certa queda no otimismo dos brasileiros com a economia. Em dezembro, 49% achavam que ela ia melhorar, agora são 46%. Antes, 20% achavam que iria piorar, agora são 29%. Dá para entender. A inflação em 12 meses até fevereiro (5,6%) estava quase igual àquela do ano passado (5,7%). O desemprego no período subiu de 7,9% para 8,6%, sazonalidade típica dessa época do ano. O salário médio dos trabalhadores era de 2.841 e em fevereiro estava praticamente igual, 2.853.

A economia preocupa os petistas. Aliás, a confiança da população nesse quesito está menor

E ainda há as redes sociais a fomentar o mal-estar, com seu discurso agressivo, de ódio. Campo dominado pelo bolsonarismo e a direita, como se sabe. Conforme uma pesquisa do instituto Quaest, dos cinco temas mais comentados nas redes sociais neste ano, quatro eram de interesse dos antilulistas. O único assunto de interesse governista na lista foi o caso das joias sauditas para Jair e Michelle Bolsonaro, a respeito do qual o capitão teria de depor à Polícia Federal na quarta-feira 5. A propósito, Lula foi aconselhado a ignorar a volta de Bolsonaro ao Brasil e deixar que ministros reajam ao antecessor, quando necessário. Dos dez deputados mais influentes nas redes sociais, oito são bolsonaristas, conforme a Quaest. Entre os senadores, todos os dez do ranking são bolsonaristas.

Para ter uma visão mais aprofundada sobre o abacaxi das redes sociais, Lula vale-se de seu chefe de gabinete, o sociólogo Marco Aurélio Santana Ribeiro, de 37 anos. Colaborador do petista desde 2015, “Marcola”, como é conhecido, tem feito reuniões com especialistas em comunicação digital. Recebeu uma pesquisadora que faz pós-doutorado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, Nina Fernandes dos Santos. O doutorado dela, premiado em Paris em 2019, foi sobre o Twitter e as marchas de junho de 2013 que chacoalharam o governo Dilma. Recebeu ainda um advogado, Humberto Ribeiro, que está por trás do Sleeping Giants, grupo de ativistas que combate mentiras e discursos de ódio propagados no Twitter.

Outro que passou pela sala de “Marcola” foi um antropólogo que estuda tanto as redes sociais quanto o protestantismo, Juliano Spyer. Em 2021, Spyer publicou um livro intitulado Povo de Deus – Quem São os Evangélicos e Por Que Eles Importam. Bolsonaro satanizou Lula nas igrejas e os efeitos continuam presentes, mesmo depois de cinco meses da campanha. Entre os evangélicos, a avaliação do governo é pior. Na média das pesquisas Ipec e Datafolha, 29% acham o governo bom ou ótimo, 33% regular e 33%, ruim ou péssimo. Outro sinal do tamanho do estrago causado pelo capitão: 44% dos brasileiros acreditam que há risco de o Brasil virar um país comunista. Entre os crentes, o temor bate em 57%. Para alterar essa rea­lidade, cem dias é pouco, muito pouco. •

Publicado na edição n° 1254 de CartaCapital, em 12 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um andar acima’

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