Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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Por que cabe a Lula definir os rumos do PT e de seu governo

O próprio Lula tem dito que o Lula 3 terá de ser diferente dos Lulas 1 e 2

O ex-presidente Lula. Foto: JULIEN DE ROSA/AFP
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Lula exerce atividades de liderança há mais de 50 anos e, mesmo assim, muitos indivíduos informados no meio político, econômico e social alimentam dúvidas acerca do tipo de líder que ele é ou do tipo de liderança que ele exerce. Isso é natural, pois o tema da liderança é complexo, demanda muita pesquisa e análise para a sua compreensão. Vão aqui algumas pinceladas.

A liderança política implica tipos singulares de atividades e relações referidas ao exercício do poder dentro de um grupo e/ou instituição que implicam capacidade de dirigir/orientar de forma determinante o rumo das escolhas e dos acontecimentos a partir de um sentido estratégico. As ações e relações do líder estão implicadas também na aceitação de sua legitimidade por parte dos liderados. Um dos aspectos centrais da liderança diz respeito ao momento da decisão. Por isso, o líder ocupa a posição central de poder no grupo ou na instituição.

Embora a liderança política agregue uma série de atributos e outras atividades, não se confunde com estes. Por exemplo, liderar não se reduz simplesmente a influenciar ou ter prestígio. Um influencer digital ou um desportista não são líderes. A liderança depende ainda do contexto e das circunstâncias. Um líder político, normalmente, não é um líder religioso. E o tipo de liderança que um líder político exerce no partido pode ser diferente, em certos aspectos, do tipo de liderança que exerce no Estado.

Feitas essas ressalvas, analise-se, brevemente, o caso de Lula. Tanto pela liderança que cultivou no movimento sindical quanto a que exerceu e exerce no PT, Lula pode ser imputado como sendo um líder fundador, nos termos da teoria clássica. Ou, por conceitos da teoria moderna, ele é um tipo de líder inovador e promotor.

Fundador e inovador, porque Lula desempenhou papel decisivo e único na refundação do movimento sindical (incluindo a CUT) no contexto do fim da ditadura e na criação do PT, uma inovação na história dos partidos políticos no Brasil. Por isso e pelo papel que desempenhou na fundação da legenda, atribui-se a Lula, implícita ou explicitamente, no âmbito desse grupo, um ato de criação demiúrgica. Lula deu forma a uma ideia ou a uma matéria que não tinha ordem. Foi o artesão divino do partido.

Em todos os tempos, os fundadores, ou criadores divinos, mesmo que não tenham sido líderes absolutistas ou autocratas, mesmo que tenham exercido sua liderança pela persuasão e não pela coerção, tiveram a prerrogativa de decidir em última instância. Isto ocorreu até mesmo depois que o grupo se institucionalizou, se burocratizou e se oligarquizou.

É esta posição de poder que Lula tem em relação ao PT: a de decidir, em última instância, em caso de controvérsias muito relevantes e de definições estratégicas. O PT aceita como legítima essa posição de poder por ser Lula um demiurgo para o partido. Assim, em caso de controvérsia, Lula decidirá quem será o seu vice. Se Lula for eleito presidente, em caso de controvérsias estratégicas dentro do governo ou dentro do partido em relação ao governo, será Lula quem decidirá, e não a direção do partido.

Esta posição privilegiada e legítima de poder que Lula detém em relação ao PT deveria desfazer uma disjuntiva criada por setores da sociedade e do mercado: a da aceitação de Lula e rejeição do PT. É claro que há diferenças significativas, mas o PT não tem a prerrogativa de decidir em última instância em controvérsias significativas e estratégicas, neste caso, em relação a um governo presidido por Lula. Nesses casos, o criador é maior que a criatura.

Em relação ao tipo de líder promotor, apenas para pontuar, Lula é um líder que se fez a si mesmo, na sua experiência, na sua relação com os contextos em que viveu e interagiu e na consistência e capacidade de suas iniciativas para manter-se líder no partido e no âmbito político do País.

Em relação ao Estado, a liderança de Lula como presidente foi a de tipo de autoridade racional, baseada no estatuto legalitário ou constitucional. Nas suas iniciativas governamentais, mesmo no campo social, e nas suas relações institucionais e com outros poderes, Lula agiu dentro dos limites preestabelecidos pelas normas e pelas leis. Mas um líder racional pode desempenhar de forma parcial e significativa o papel de reformador e refundador.

Embora traços de personalidade possam influenciar o tipo de liderança, Maquiavel mostrou que o líder virtuoso deve considerar sempre as circunstâncias e os contextos da ação. Assim, é desejável que Lula, num possível terceiro mandato, assuma mais o papel de um demiurgo inovador em relação às necessárias reformas estruturais do Estado. Reformas que removam os mecanismos da iniquidade que sacramentam as desigualdades no Brasil. O próprio Lula tem dito que o Lula 3 terá de ser diferente dos Lulas 1 e 2. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1194 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Lula, o decisor”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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