Carla Jimenez

Jornalista há mais de 30 anos, foi diretora e editora chefa do EL PAÍS no Brasil e co-fundou o portal Sumaúma

Opinião

A chacina de Tarcísio é a incompetência dos preguiçosos

Governador de São Paulo rasga a máscara de bom moço na truculenta operação policial que pode ter matado 19 pessoas no Guarujá

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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, mostrou a que veio neste final de semana. A brutal operação no Guarujá, no litoral paulista, supostamente contra o tráfico, já registra 10 homicídios cometidos pela sua polícia militar. O número pode subir para 19, uma inacreditável investida que ficou marcada pelo sentimento de vingança da corporação. O massacre violento, celebrado pelo governador, foi uma resposta à morte de um policial no litoral de São Paulo.

“Não é possível que o bandido, que o crime, possa agredir um policial e sair impunemente”, disse o governador na coletiva desta segunda-feira. Assim, direto ao ponto. Para não ficar impune, cometa-se uma chacina.

É a retórica fácil, a solução preguiçosa e assassina, que retroalimenta um país violento. Ao mesmo tempo, expõe a limitada competência de homens públicos, como Tarcísio. Quando não têm o que mostrar, se gabam de exercer bem o seu papel às custas de execuções tratadas como exemplares. ”Não podemos permitir que a população seja usada. E não podemos sucumbir às narrativas”, afirmou. Narrativas? Vidas de inocentes foram interrompidas cruelmente com aval público do governador em  nome de uma suposta eficiência das forças de segurança. 

Qualquer novo gesto de Tarcísio será medido à luz desta indelével postura diante da carnificina no Guarujá

Tarcísio é quem sustenta a narrativa de que houve confronto dos policiais contra as vítimas que morreram na operação, quando a ouvidoria da própria PM diz o contrário. Homens encapuzados, o assassinato de um homem esquizofrênico, sessões de tortura. E Tarcísio ainda sugere que a população está sendo “coagida” a acusar a PM de crimes.  Exerce o mesmo papel de autoridades durante o governo militar, quando fingiam que não existiam torturas ou o assassinato de quem resistia ao regime.

O Brasil tem uma das PMs mais violentas do mundo, famosa pelos seus ‘kits flagrantes’, com armas ou drogas plantadas para simular trocas de tiros, para justificar assassinatos.  Para acabar com o crime, mate, atire antes e pergunte depois. É mais uma versão do ‘bandido bom é bandido morto’, que revela o caráter de justiceiro adotado por Tarcísio. “Hoje as pessoas vão morrer, hoje as pessoas vão matar, o espírito fatal e a psicose da morte estão no ar”, desdenhou o ex-PM Luiz Paulo Madalhano em seu Instagram com mais de 100.000 seguidores, usando o trecho de uma música da banda Pato Fu para se referir à operação policial no Guarujá. E o governador, autoridade máxima do Executivo de São Paulo, endossa esse comportamento assassino da polícia, que reproduz as velhas táticas de esquadrões da morte.

Quem tinha esperanças de que a criatura (Tarcisio) superaria a criador (Jair Bolsonaro) em termos de sensatez e ponderação, se enganou redondamente. A fala do governador paulista é mais mansa, mas a necropolítica está aí, tal qual a de Bolsonaro. A capital paulista já havia entendido o risco e por isso não lhe deu a vitória nas eleições do ano passado. Mas o político carioca caiu nas graças do interior paulista que lhe garantiu a vitória. 

O espírito violento e conivente com a truculência da polícia brasileira, uma instituição azeitada para se proteger e perpetuar sua licença para matar, estão lá. Não à toa as mortes provocadas por policiais cresceram nestes 7 meses de governo de Tarcísio. O mesmo Tarcísio que não esconde o desejo de tirar a câmera dos uniformes dos policiais, uma solução simples que derrubou o número de execuções cometidas por PMs. O mesmo que ficou sob um suspeito tiroteio em Paraisópolis durante a campanha eleitoral. 

A ética é um princípio tão desvirtuado na PM do Brasil, que os mesmos que hoje matam em nome de proteger a sociedade podem amanhã compor um batalhão de justiceiros escondidos sob as fardas. As últimas revelações sobre a investigação do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes mostram bem como policiais celebrados por políticos podem vir a chefiar milícias com suporte de políticos que os vangloriaram.

Quem esperava que Tarcísio se tornasse uma grande personalidade política, capaz de mirar o Palácio do Planalto no futuro, se decepcionou. A máscara de bom moço do governador durou pouco e caiu rapidamente. Qualquer novo gesto de Tarcísio será medido à luz desta indelével postura diante da carnificina no Guarujá. 

Lembro-me, neste momento, de episódios recentes que demonstram como o perfil violento e insensível na política não costuma ter vida longa com o eleitor brasileiro. Uma das cenas mais patéticas que a política brasileira nos proporcionou foram as celebrações do ex-governador do Rio Wilson Witzel ao descer de um helicóptero, em agosto de 2019, celebrando a morte de um sequestrador como se fosse uma final de Copa do Mundo. Witzel, que sofreu um impeachment no meio do mandato, sob o silêncio indiferente de seus eleitores. É o ostracismo merecido para os políticos incompetentes.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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