Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

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Calma, respira…

A realidade é que o bolsonarismo está mais forte do que gostaríamos, mas os progressistas também têm força e as lutas por direitos avançam

Foto: Ricardo Stuckert
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Confesso a vocês que domingo quase enfartei. Não conseguia desgrudar os olhos da tela e me sentia naquele estado meio catatônico, meio letárgico de quem esperou tanto por algo e se sente como barata lerda e atordoada quando o momento tão ansiado chegou. Acho que não respirei até Lula passar à frente de Bolsonaro. Na verdade, acho que não respirei até o término da apuração.

Aconteceu comigo como aconteceu com muitos de nós. Ficamos decepcionados porque Lula não ganhou no primeiro turno e porque constatamos a força do bolsonarismo nos estados, elegendo governadores, senadores e deputados com muito mais facilidade do que gostaríamos. Mas, vamos lá, passado um certo luto, analisemos os fatos. Lula não ganhou em primeiro turno como talvez não deveríamos ter esperado que ganhasse. A história nos mostra que os presidentes no Brasil são eleitos no segundo turno, Lula teve 6 milhões de votos a mais que Bolsonaro e quase dobrou os votos de Haddad em 2018. Não é momento para euforia, mas tampouco para a desolação. Ganhamos o primeiro turno. O segundo vai ser apertado, vai ser duro, vai ser terrível, sim, mas vamos prosseguir, podemos ganhar.

Por outro lado, uma questão-chave deve ficar bem entendida. O bolsonarismo veio para ficar. Durante muito tempo pensou-se que o bolsonarismo era simplesmente conjuntural, facada, desinformação, Lava Jato… Sim, todos esses fatores foram essenciais para entender o crescimento exponencial de Bolsonaro, mas a realidade é que o bolsonarismo mobiliza valores que representam uma grande parte da sociedade brasileira.

O bolsonarismo representa uma parte de Brasil. Esse é um fato e devemos trabalhar com ele. Devemos trabalhar com a ideia de que, nos próximos anos, haveremos de conviver com um bolsonarismo 2.0, mais adaptativo, mais moderado, estilo Tarcísio de Freitas, e com um bolsonarismo radical mobilizador do pânico moral, à moda de Damares Alves. Os dois bolsonarismos, o metabolizado e o barulhento, estão aqui e devem permanecer por um largo tempo.

Isso não significa que o bolsonarismo é o único vencedor da noite de domingo. O PL aumentou muito sua bancada, mas o PT também aumentou, o PSOL também aumentou. Lula venceu em Minas Gerais, o PT avançou em cidades que tinha perdido eleições atrás. Eles elegeram vários dos símbolos do bolsonarismo, nós também elegemos alguns dos nossos, como Guilherme Boulos, Sônia ­Guajajara e duas deputadas trans. Erika Hilton (PSOL) e Duda Salabert (PDT). A professora e ativista indígena Célia Xakriabá também foi eleita deputada federal pelo PSOL de Minas Gerais.

A realidade é que o bolsonarismo está mais forte do que gostaríamos, mas os progressistas também têm força e as lutas por direitos avançam. Quem perdeu, e perdeu feio, foi a direita clássica tucana (um minuto de silêncio para o PSDB). Quem perdeu, e perdeu feio, foi Ciro Gomes, após uma das campanhas mais vergonhosas da história do Brasil. E agora vamos para o segundo turno. Partimos com 6 milhões de votos a mais. Eleitores de Simone, de Ciro, venham conosco. Não é por Lula, é pelo Brasil.

A onda de pânico moral já começou nas igrejas e vai se intensificar muito mais. Vamos ver muitas fake news turbinando a questão do aborto, do fechamento das igrejas, demonizando de novo o PT. Vai ser um horror, disso não tenho dúvida. Bolsonaro vai jogar pesado, vai jogar muito baixo, e Bolsonaro jogando baixo significa basicamente o submundo, o esgoto, as latrinas da política emergindo em jatos. Isso vai ser o segundo turno.

Devemos, porém, permanecer firmes, serenos e esperançosos, e isso não significa estar iludido. Com muito trabalho, com muita garra, com muita estratégia, podemos vencer. Mas só poderemos vencer se formos inteligentes, muito inteligentes. Precisamos abrir o nosso abraço para todos, trazer as pessoas para o nosso lado, escutar, com empatia, com paciência, com carinho. Venham conosco. Eleitores de Simone, de Ciro, indecisos, aqueles que ficaram em casa, os que votaram em Bolsonaro por pressão social, mas desgostam profundamente dele, venham conosco.

Não é por Lula. Não é pelo PT. É ­pelo Brasil. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Calma, respira…”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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