Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

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Rumo ao futuro

Recuperar um país no qual 58 milhões de eleitores votaram pelo ódio vai ser uma tarefa gigantesca

O ex-presidente Lula (PT), durante ato no Teatro da PUC. Foto: Ricardo Stuckert
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Vencemos.

Vencemos.

Queria passar o dia de hoje só a saborear a doçura desta palavra. Queria ficar no paladar permanentemente com este gosto magnífico. Que delícia, meus amigos, que deleite. Não há palavras suficientes para expressar tanta emoção. Foi um dia grande demais. Um dia gigantesco, dedicado à história.

No domingo 30 fizemos História.

Vencemos.

Amigos, não sei mais o que falar. Meus dedos teclam nervosos, hoje acordei atordoada. Não caiu ainda a ficha a respeito de como o mundo e o futuro se lembrarão do que conseguimos no domingo 30. Sim, sim, seremos lembrados.

A gente venceu o monstro.

Que angústia, que sufoco, que ansiedade. Chorei várias vezes, parecia um zumbi, nem sabia o que fazer, meu corpo doía por causa de todo o estresse. Não consegui dormir, ainda estou toda arrepiada, pareço um autômato, faço coisas bestas à toa, como quem está apaixonado, aquele sorriso bobo e encantador dia e noite.

O tamanho da vitória de ontem é tão histórico, tão extraordinário. É do ­Brasil. É do mundo.

Ontem a gente deu um passo colossal rumo ao futuro.

No momento em que escrevo esta coluna, Bolsonaro continua trancado no Palácio do Planalto. Mortinho. Sem dar sinal de vida, personificação do que ele exatamente é, um ser patético e mesquinho. Pequeno demais para o Brasil. Mas não acho que ele consiga ficar lá pedindo UberEats durante dois meses, né?  Em algum momento terá de falar e falará merda, certamente, mas terá de falar. Estaremos atentos. No momento em que escrevo também, alguns caminhoneiros bloqueiam estradas. Bem, era esperado. Sabíamos que haveria um Capitólio à brasileira, mas as instituições não têm dado abrigo a tentativas golpistas. Nem as instituições nem boa parte do próprio bolsonarismo, porque, meus amigos, quando o barco afunda, os ratos levam segundos para pular fora. Sergio Moro reconheceu a vitória de Lula, Ricardo Salles idem, até a Damares Alves pediu orações para o próximo período que começa. Tarcísio de Freitas aproveitou a coletiva de imprensa de sua vitória para declarar que governaria São Paulo em colaboração com Lula. Bolsonaro vai ficar sozinho, talvez com a companhia de Carla Zambelli, ­aliás uma companheira à sua altura. Então poderemos assistir a autoritários? Poderemos. Poderemos ter violência? Poderemos. Mas, com Bolsonaro isolado, serão menos preocupantes do que pensávamos.

Lula foi, ao contrário, muito grande durante toda a campanha e muito grande no discurso da vitória. A imagem ao lado de Geraldo Alckmin, Simone Tebet e Marina Silva, entre outras, foi muito poderosa. Falou o que o mundo esperava escutar. Ele vai governar para todos, vai se empenhar em reunificar o País. E, sim, é assim que deve ser. Mas, embora tenha falado que o Brasil é um só, a gente sabe muito bem que não é. Somos dois Brasis. A radiografia do voto deixou muito claro: 58 milhões de eleitores votaram movidos pelo ódio ou sem se importar com as consequências desse ódio. E recuperar um país no qual 58 milhões votaram pelo ódio vai ser uma tarefa gigantesca. O Brasil precisa não só de Lula, mas de todos nós. Temos uma tarefa descomunal pela frente, recuperar o País.

Então, sim, a gente vai ter de aprender a falar com os trabalhadores que se pensam microempreendedores, a gente vai ter de aprender a falar com a base popular evangélica pentecostal e neopentecostal, a gente vai ter de pensar como falamos sobre família, ordem e segurança pública. Não podemos mais continuar a desconversar sobre esses temas e fingir que ninguém se preocupa. Vamos ter de pensar, com inteligência e cuidado, estratégias políticas e sociais para recuperar o Brasil.

É trabalho de todos nós. Vencemos o monstro, mas não vencemos a monstruo­sidade. O ódio que o Brasil tentou esconder embaixo de um suposto país cordial e conciliador emergiu com brutalidade sinistra. O ódio sempre esteve lá, mas a gente o considerava controlado. Não está. Está solto, empoderado, livre, não quer ficar mais encoberto, dissimulado. O ódio está à solta. O ódio não quer ser mais cordial. Como lidar com esse ódio, meus amigos?

Muitos desafios pela frente, mas, por enquanto, permitamo-nos saborear a vitória. Dancemos, bebamos, abracemos, beijemos, respiremos. O que fizemos, o que conseguimos entre todos nós foi muito grande. Merecemos comemorar.

A gente merece ter o Brasil de volta.

Vencemos.

Sobretudo, muito obrigada Nordeste. A vocês, nordestinos, devemos a recuperação do nosso futuro. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1233 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Rumo ao futuro”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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