Letícia Cesarino

Antropóloga, professora e pesquisadora na Universidade Federal de Santa Catarina. Autora de 'O Mundo do Avesso: Verdade e Política na Era Digital'

Opinião

Como você pode contribuir para a onda anti-Bolsonaro nesta reta final das eleições

É preciso construir uma coleção boa e volumosa de memes. Se você viu ou recebeu uma imagem, vídeo curto ou figurinha que lhe pareceu promissor, salve no seu celular

Desfile Cívico-Militar por ocasião das Comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil. Foto: Alan Santos/PR
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Esta semana, a conta de Twitter de Marina Silva protagonizou o que considero um dos melhores memes políticos desta eleição. Na ocasião do encontro que sacramentou a frente ampla, com o apoio de nove ex-candidatos a presidente à chapa Lula-Alckmin, vários usuários da rede social compararam a roupa vestida pela ex-ministra à de Goku, personagem principal do anime Dragon Ball. Ela então retuitou que o visual era apropriado, pois afinal estavam se preparando para o Genki Dama – postagem que lhe rendeu inéditos 40 mil likes.

Naquele anime, o Genki Dama é o ataque mais poderoso. Embora executado por um indivíduo, ele envolve o empréstimo do chi (energia vital) de outros seres presentes no ambiente, que é então direcionado à destruição de um inimigo. Para que seja adequadamente utilizado, requer que seu usuário esteja livre de pensamentos negativos, e não pode ser acionado de modo trivial: apenas em momentos de grande ameaça.

Há poucas metáforas melhores para o movimento que vem se avolumando nos últimos dias para derrotar Jair Bolsonaro ainda no primeiro turno das eleições de outubro próximo. Como venho sugerindo neste espaço, o presidente e seus apoiadores sempre atuaram em dois níveis: o da política convencional e o da meta-política, ou seja, da própria infraestrutura adequada ao funcionamento da democracia liberal no país. Ao fazê-lo, ativou um contexto excepcional para a reunião de forças que eram, outrora, adversárias.

O mesmo pode ser dito com relação à política que é feita pelas novas mídias. Não apenas lideranças político-partidárias e celebridades, mas qualquer usuário comum, pode atuar também plano meta-comunicativo. Isso significa ter uma atenção tática menos aos conteúdos em si do que aos efeitos que eles geram em outros usuários, e portanto na própria forma e ritmo das redes. Todos nós podemos contribuir de diferentes formas para efeitos de rede mais amplos, cada um dentro dos seus talentos, possibilidades e alcance.

Em 2018, a direita bolsonarista atuou como guerrilhas digitais que ocuparam território político inédito simplesmente pelo volume massivo de material circulado. Ainda que pudesse haver bots e disparos automatizados, o agente principal sempre foi o usuário humano. Como qualquer algoritmo, é ele quem realiza as melhores operações de profiling (perfilamento, ou identificação do perfil de um usuário) e microtargeting (microdirecionamento, ou escolha do tipo de conteúdo com maior probabilidade de influenciá-lo). Assim, o mesmo bolsominion que distribuía para seus amigos memes de humor machista ou anti-feminista, escolheria um meme cristão com a figura de Jesus Cristo para enviar para sua mãe.

Para realizar esse procedimento, é preciso construir uma coleção boa e volumosa de memes. Se você viu ou recebeu uma imagem, vídeo curto ou figurinha que lhe pareceu promissor, salve no seu celular. Tão importante quanto a quantidade é a variedade de conteúdos. A coleção deve cobrir um amplo espectro de estilos (humorístico, informativo, denunciatório etc.) e de temas (corrupção, religião, economia etc.). Deve abranger desde argumentos mais fundamentais, que podem ser usados a qualquer momento, a comentários sobre temas do dia ou da semana. Os conteúdos devem ser adaptáveis a todo tipo de demografia: jovens a velhos, ricos a pobres, homens a mulheres, com pouca ou muita educação formal.

Feito isso, é preciso ser estratégico na distribuição desses itens, escolhendo a melhor opção a depender da rede em que se está inserido naquele momento. No campo do amigo, podem ser compartilhados para manter a base mobilizada, ou para trocar bons itens e aumentar a coleção. Também podem ser lançados no terreno ambíguo entre as trincheiras, para tentar convencer indecisos. Neste caso, conteúdos mais vagos e ambíguos têm maior probabilidade de atingir mais segmentos de usuários, além de não colocar as pessoas numa posição defensiva.

Já no campo do inimigo, podem ser usados principalmente para ganhar território na guerra de posições. A depender da plataforma, é possível aproveitar vieses algorítmicos já existentes para potencializar efeitos de rede. O Twitter, por exemplo, tem um algoritmo cronológico muito sensível – uma postagem feita dias ou mesmo horas depois já fica obsoleta. Por outro lado, conteúdos em tempo real são privilegiados. Assim, você pode optar por ser notificado quando o presidente, ou outro influenciador de peso da direita, realizar novas postagens. Se der sorte dela tiver sido feita dentro dos últimos segundos ou poucos minutos, há uma possibilidade muito maior de que uma intervenção sua seja vista por um grande número de usuários. Assim, escolha um bom meme e poste imediatamente.

Isso não vai fazer nenhum bolsonarista mudar o voto, mas estará contribuindo para ocupar aquele espaço algorítmico. Quando micro-ações desse tipo por parte de muitos usuários são combinadas, é possível até mesmo reverter o centro de gravidade, fazendo com que a direita bolsonarista é que tenha que responder ao seu inimigo – e não o contrário, como vinha ocorrendo até recentemente. A internet participativa apresentas essas e outras possibilidades para que todos possamos participar do grande corpo digital que lançará o Genki Dama sobre Jair Bolsonaro no dia 2 de outubro.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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