Entrevistas

Vijay Prashad: ‘Não se trata apenas da eleição de Lula, os comitês populares têm de criar o caminho’

A CartaCapital, o historiador marxista analisa os caminhos traçados pelo campo progressista no Brasil e a relação com os demais países da América Latina

Vijay Prashad, historiador e diretor do Instituto Tricontinental (Foto: The Walter Rodney Foundation)
Apoie Siga-nos no

Nascido na Índia, Vijay Prashad é um historiador e pesquisador marxista conectado aos principais movimentos sociais de esquerda ao redor do mundo. Como diretor do Instituto Tricontinental de Pesquisas Sociais, gere estudos no Brasil, Argentina, Índia e África do Sul. 

Essa semana, Prashad veio ao Brasil para lançar seu novo livro,‘Uma História Hopular do Terceiro Mundo’, que fala das lutas e conquistas do sul global na busca por alternativas à ordem imperialista norte-americana.

Prashad e a economista Juliane Furno no lançamento do livro “A história popular do terceiro mundo” na Livraria Tapera Taperá, em São Paulo – Foto: Guilherme Gandolfi/Reprodução – Instagram Movimento Brasil Popular

Em entrevista a CartaCapital, o historiador comenta que as forças conservadoras no Brasil, sob forte influência dos Estados Unidos, endureceram o cerco às discussões estruturais em prol da distribuição da riqueza, terras e igualdade. Para ele, está nas mãos dos movimentos sociais e partidos de esquerda a mudança da ‘ordem do dia’. 

“A situação da política, em um país como o Brasil de hoje, não favorece uma agenda socialista. Temos de mudar a correlação de forças.” Isto significa, para Prashad, reforçar o fortalecimento dos movimentos, como os comitês populares de luta antes, durante e depois das eleições. “Não se trata apenas da eleição de Lula, os comitês populares têm de criar o caminho sobre o qual o governo de Lula pode caminhar”. 

Um exemplo internacional citado dessa correlação de forças progressistas para uma nova agenda do País foi o histórico das lutas colombianas contra a violência e o paramilitarismo. 

Lá, o contexto de extrema violência dos grupos armados fizeram mais de 73 mil pessoas se deslocarem. Um crescimento de 181% entre 2020 e 2021, como revelou o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.

Um marco foi o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán nas eleições de 1949 que deram origem a grupos de guerrilha no País. Gustavo Petro, atual presidente da Colômbia, sofreu ameaças de morte enquanto candidato e também foi alvo recente de atiradores.  

Petro é o primeiro presidente de esquerda do País, após um histórico de uma política de  direita enfraquecida sob regime do líder Iván Duque e também do agropecuarista Álvaro Uribe Vélez, que ao final do mandato foi indiciado por suborno e fraude processual.   

Prashad atribui a conquista de Petro, em grande parte, aos protestos sem precedentes contra as políticas neoliberais na Colômbia. Também chamada de primavera colombiana, a mobilização de 2019, foi marcada por um protagonismo jovem e o apoio de populações marginalizadas, idosos, entre outros.

“Desde o movimento social até às organizações congressistas, passando pelas que se dirigem ao Partido Comunista até às comunais, todos eles se reuniram nas ruas e criaram uma ação unificada.” O historiador vê nesse movimento um bem-acabado exemplo de como transcender a fragmentação política, “Apesar de serem grandes as discordâncias sobre como entendem o caminho a seguir na Colômbia, com união temporária foram capazes de fazer isso”. 

Civis vão às ruas contra governo autoritário na Colômbia. Foto: Raul Arboleda/AFP

Com a eleição de Petro e Francia, iniciou-se o equilíbrio das correlação de forças mencionado por Prashad. Há discussões sobre a política de aborto, a articulação por movimentos de paz, e sobretudo, a mudança de postura com os militares

“Isto [protesto] ajudou uma espécie de nova vitalização da esquerda, e a velha desmoralização começou a dissipar-se um pouco. Gustavo Petro escolher Francia Marquez como vice é uma mensagem significativa não só por ela ser uma mulher afro-colombiana, mas também uma das líderes das lutas sociais na Colômbia”, destaca. 

‘Dignidade da esquerda’

À luz do pós-golpe no Brasil, alguns analistas apontam o ano de 2016 como marco da fragmentação da esquerda, caracterizada por uma disputa entre PT e PDT, e o crescimento das forças antipetistas. Mais recentemente, a eleição de Jair Bolsonaro deu vazão aos movimentos por unidade.

Para Prashad, o que aconteceu refletiu-se nas eleições posteriores. “A fragmentação da esquerda não dá confiança à classe trabalhadora”, avalia, “Como é que eles vão ceder confiança se a esquerda está sempre a lutar entre si? Se estão a atacar uns aos outros?”

No atual pleito eleitoral, o cenário é bem diferente. O PT, por exemplo, formou a maior aliança política de sua história para a candidatura do ex-presidente Lula, com 9 partidos. São eles: PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL, Rede, Solidariedade, Avante e Agir.

O historiador defende a continuidade de uma ‘dignificação da esquerda’, para que, como na Colômbia, mudanças na agenda pública também aconteçam por aqui. Ele reitera que “a união, pensando nas necessidades do Brasil precisa de ser mais sobre movimentos sociais e política e não só sobre política [institucional]”.

Guerra Santa: ‘O problema não é a religião, é a vida coletiva’

Entre o necessário trabalho de base pontuado por Prashad está a atuação da esquerda junto à religião, sobretudo entre os evangélicos – hoje, uma das maiores e mais representativas bases de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Para mim o problema não é a religião. O problema é a vida coletiva. O capitalismo corrói a vida em sociedade […] E na ausência da capacidade de criar uma vida colectiva, as pessoas refugiam-se em coisas que tragam ganhos sociais”, afirma. 

Neste cenário, sobressaem-se as religiões que atendem à busca das pessoas por espiritualidade, pertencimento, acolhimento, cuidado e até mesmo lazer, como apontou a pesquisa do Instituto Tricontinental publicada em fevereiro deste ano. 

Além do refúgio, o levantamento destaca o trabalho de base feito pelas igrejas evangélicas, seja com iniciativas educacionais, como cursos técnicos e gratuitos, ou com auxílios para alimentação, distribuição de cestas básicas, etc. 

Em parceria com a PM, chamada Universal nas Forças Policiais, a instituição fez distribuição de cestas básicas na zona Sul de São Paulo – Foto: Reprodução/YouTube Universal

Sobre isso, Prashad cita o exemplo de um jovem que vai para uma igreja para fazer um desses cursos, e porventura, se identifica com o local e se converte. “Acredito que em partes do nosso mundo, hoje estas instituições religiosas substituem os centros comunitários”. Para ele, “temos de produzir para esse jovem oportunidades de fazer coisas que não estejam necessariamente ligadas a ideologias que sejam hierárquicas ou que sejam homofóbicas”. Essa ideologia a qual ele se refere, é o fundamentalismo religioso e o uso da Teologia da Prosperidade como um projeto de poder, que tem como expoente no Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus.  

“Não estou a dizer que todas as organizações religiosas são assim, mas muitas são e então porque é que um jovem deve pagar um preço elevado para aprender a tocar violão? Qual é o preço elevado que tem de absorver ideias contra as pessoas LGBT?”, questiona.  

Assista à entrevista: 

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo