RESET CONECTA

Carbono, madeira e agrofloresta: modelos de negócio para reflorestar

Do fornecimento de sementes e mudas aos riscos de invasão e incêndio, desenvolvedores de projetos de reflorestamento discutem a economia do restauro

Carbono, madeira e agrofloresta: modelos de negócio para reflorestar
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As lideranças de três das principais desenvolvedoras de projetos de reflorestamento falaram dos seus modelos de negócios no segundo painel do Reset Conecta, que reuniu em São Paulo, ontem, alguns dos principais atores dessa agenda. 

Plínio Ribeiro, CEO da Biofílica Ambipar, Valmir Ortega, sócio da Belterra, startup de sistemas agroflorestais impulsionada pelo Fundo Vale, e Thiago Picolo, CEO da Regreen, discutiram os desafios para estruturar cadeias de fornecimento, desenvolver tecnologias e financiar a atividade, além do papel dos créditos de carbono para escalar o reflorestamento.

Na sequência do painel, Mariano Cenamo, cofundador do Idesam e CEO da aceleradora Amaz, trouxe o caso do Café Apuí como exemplo dos desafios práticos do restauro e da necessidade de ter presença no território, envolvendo as comunidades locais e criando uma atividade econômica que seja uma alternativa real à pecuária ou agricultura de baixa produtividade.

A seguir, os destaques: 

Financiamento e créditos de carbono

  • Linhas de crédito e seguros ainda não existem e estão começando a ser desenhadas. 
  • A melhor fonte de financiamento hoje são contratos de offtake com empresas que assumiram compromissos de net zero. “São estratégias que envolvem, primeiro, uma redução na emissão da própria companhia e, depois, uma compensação através de projetos de alta qualidade. E os projetos nature based se inserem nesse meio”, disse Picolo.
  • Nos contratos de offtake, uma grande empresa se compromete com a compra futura dos créditos de carbono – ou outros produtos. O desenvolvedor geralmente conta com pagamento parcial antecipado, o que dá fôlego para deslanchar os projetos.
  • A receita para pagar o investimento no modelo agroflorestal vem da venda do cacau, do dendê, do açaí e de outras culturas. Assim, diz Valmir Ortega, mitiga-se o risco do preço do carbono. “Algumas culturas têm potencial de fazer dezenas de milhares de hectares, algumas outras centenas, uma ou outra, um milhão de hectares.”
  • No modelo de restauro com agrofloresta, o carbono entra na equação “como redutor do custo de capital e alongador de prazo”, disse Ortega, da Belterra.
  • Mercado de madeira nativa com manejo sustentável tende a ser uma receita adicional importante para as empresas de restauro.

Custo do restauro

  • O capex dos projetos de restauro é muito maior do que os de conservação. “É uma atividade que pode consumir entre R$ 20 mil a R$ 50 mil reais por hectare”, disse Ribeiro. “Isso é quase dez vezes os plantios produtivos mais caros que a gente tem no país.”
  •  “Payback dos projetos se dará em 8, 10, 15, 20 anos, a depender do preço de carbono, que a verdade é que ninguém sabe ao certo quanto vai estar.”
  • “Você pode ter restaurações caríssimas, que estão no limite desse espectro, e pode ter restaurações onde você trabalha mais com o potencial de regeneração natural, para tentar ter o melhor custo possível com um resultado de alta qualidade”, disse Picolo.
  • Estamos no nascedouro da indústria de restauro e as técnicas vão se aprimorar e os custos, cair. “Todas as outras cadeias comerciais do agro, de florestas, tiveram programas de investimento robustos, tanto com recursos próprios quanto com recursos públicos. E hoje tem produtividades por hectare muito diferente do que tinha uns 10, 20, 30, 50 anos atrás.

Evolução técnica

  • “Tivemos uma onda de eucalipto e pinus nos últimos 30 anos e basta ver o que a gente fez com essas duas espécies no Brasil. A mesma coisa vai acontecer com floresta nativa, em termos de tecnologia, de equipamentos, de estrutura”, disse Valmir Ortega.
  •  Em três anos de operação da Belterra, em cada um deles o plantio do cacau foi feito de forma diferente. “Este ano nós vamos plantar com máquinas usadas no plantio da laranja. Estamos olhando para outras culturas que já têm equipamentos similares.”
  • “Com empresas do tamanho da Regreen, Biofílica, Mombak, Biomas, Belterra, RioTerra, começa a ter players que conseguem financiar a tecnologia; com o BNDES, talvez, colocando dinheiro do Finep.”

Concessões e riscos

  • Um dos pontos críticos da modelagem das concessões de áreas públicas para restauro deve ser a definição de responsabilidades sobre os riscos, especialmente de permanência das florestas ao longo do tempo.
  • “As empresas são responsáveis por zelar pelas áreas, mas não conseguem fazer frente a atividades criminosas organizadas. Nossa expectativa é que tenha transparência em relação ao que é responsabilidade do concessionário e o que não é. Não somos polícia, não temos esse poder”, disse Thiago Picolo, CEO da Regreen. 
  • Plínio Ribeiro, CEO da Biofílica Ambipar: “[Se] achar que você vai trabalhar na Amazônia sem segurança patrimonial, é melhor ficar aqui na Faria Lima fazendo cafezinho. Lá você vai ter que proteger o teu ativo.” Os projetos vão atrair a atenção de grupos criminosos. “As atividades legais disputam território com as atividades ilegais.”
  • O relacionamento com as comunidades locais é fundamental como redutor de riscos aos projetos. “A grande vantagem do restauro em relação à conservação de florestas é que é uma atividade mais empregadora. Quando você emprega, gera renda, naturalmente, tira aquele componente social que é muito inflamado”, disse Ribeiro.
  • As mudanças climáticas vão aumentar o risco de incêndios de grandes proporções, como já está acontecendo.
  • O setor precisa de seguro e ainda não existe uma modalidade para isso. “Não acredito em exploração sem seguro para cumprir esse risco de permanência. Tanto nos financiamentos como para pagar a conta no caso de um incêndio”, disse Ribeiro.

Desenvolvimento da cadeia 

  • Laura Antoniazzi, sócia da Agroicone, disse que o desenvolvimento da cadeia de fornecimento para restauro é um ponto sensível, assim como a mão-de-obra, que não está disponível e apta.
  • Desenvolver uma cadeia de fornecimento de mudas de espécies nativas é uma agenda pré-competitiva, segundo Valmir Ortega. “A gente precisa unir se quiser fazer milhões de hectares de áreas restauradas, seja com restauração ecológica, com potencial de uso econômico, ou com restauração de sistemas agroflorestais.”
  • A razão pela qual o setor não se desenvolveu é porque a demanda por mudas sempre foi volátil, movida a projetos isolados e esporádicos. 
  • Regreen comprou o viveiro Bioflora, em Piracicaba. “Ideia não é verticalizar nossas operações. Funciona como um centro de desenvolvimento de técnicas, de ciência, de padrões de qualidade, que aportamos para os viveiros locais, com os quais fazemos contratos de médio prazo, dando uma certa garantia de compra.”

Presença no território e impacto social

  • Mariano Cenamo, CEO da aceleradora de negócios de impacto Amaz e cofundador do Idesam, destacou a necessidade de os negócios de restauro terem presença nos territórios. “Você não abre edital e sai contratando gente para plantar floresta de noite para o dia. Envolver as pessoas locais é uma estratégia de altíssimo sucesso.”
  • Ele trouxe o caso de sucesso do Café Apuí, apoiado pelo Idesam: são 83 famílias que fornecem o café, com meta de adicionar mais 160 famílias até 2026. “Vamos plantar 500 hectares até 2026. É uma escala pequena, mas nós não estamos só querendo plantar floresta. Estamos querendo fixar um agricultor que está todo ano pensando se ele abre um, dois, três, quatro hectares de floresta para plantar mais pastos ou se ele tenta captar financiamento para intensificar sua atividade de baixa produtividade.”
  • O café está gerando dez vezes mais renda que a pecuária. “O hectare de pastagem gera em torno de R$ 600 a R$ 700 por ano. Nós estamos conseguindo gerar R$ 7 mil até R$ 8 mil, ainda com baixa produtividade.”
  • Valmir Ortega, da Belterra, seguiu a mesma linha: “Nós escolhemos o modelo agroflorestal porque busca equilibrar impacto ambiental e social. Alguns estudos já apontam mais de 90 milhões de hectares de terras degradadas no Brasil e, de outro lado, temos mais de 5 milhões de pequenos agricultores sem assistência técnica adequada, sem acesso a crédito e a mercado, operando com cadeias produtivas mal estruturadas, gerando renda ínfima por hectare.”

Reflorestamento vs. soluções tecnológicas

  • Em frase controversa em defesa de tecnologias de captura de carbono, em detrimento das soluções baseadas na natureza, Bill Gates disse na semana passada que “plantar árvores é completamente nonsense”.
  • Chegar ao net zero representa dar conta de 60 gigatoneladas de carbono ano, disse Thiago Picolo. “Acho que não é uma dicotomia, uma batalha pra ver quem ganha. Se é a tecnologia, se é a natureza, se é o REDD+, se é a conservação. Todas têm que dar muito certo para termos uma chance de chegar nesse net zero.”
  • Restauração não é plantar árvores. “Estamos restaurando ecossistemas. Isso inclui a diversidade certa de árvores, de espécies, algumas mais resistentes a fogo, outras menos. Isso inclui o restabelecimento de processos ecossistêmicos que dão resiliência para a floresta.”
  • Segundo Plínio Ribeiro, as tecnologias de captura de carbono custam hoje US$ 150 a US$ 200 por tonelada. Isso deve cair nos próximos 20 anos, mas ainda ficando acima dos US$ 30 dólares por tonelada de carbono vistos nos projetos de restauro de qualidade. “Nesses patamares de preço, a gente tem um incentivo mais do que suficiente para plantar floresta em escala aqui no Brasil.”