Por g1 Santarém e Região — PA


Luziete da Silva Correia e Odinaldo Santos Pereira limpando a palha de tucumã para fazer os traçados — Foto: Rute Araújo

A memória como resgate histórico, cultural e identitário da ancestralidade na Amazônia é o percurso delineado no curta documentário “O Trançado”, que faz parte da terceira temporada da websérie “Ancestrais do Futuro”, promovida pela Fundação Tide Setubal, com lançamento nacional nesta quarta-feira (8), na Plataforma do YouTube, no Canal “Enfrente”.

É a primeira produção nacional da Souza.Doc, produtora audiovisual de Santarém, no Oeste do Pará, criada em 2018 com o objetivo principal de democratizar o cinema na Amazônia por meio de produções independentes e originais.

A produtora concorreu com coletivos de todo o Brasil e ficou entre cinco finalistas, conforme ressalta Victor Souza, realizador audiovisual à frente da produção. "A Souza.DOC participou de um laboratório com várias produtoras e tivemos a oportunidade de colocar na mesa um projeto que idealizamos desde 2019. O fato dele ter sido aprovado é de uma felicidade imensa tanto para nós quanto para a comunidade da Vila Coroca".

As filmagens aconteceram na comunidade de Vila Coroca, localizada na margem esquerda do rio Arapiuns, a aproximadamente 1h30 da zona urbana do município de Santarém, no oeste do Pará. Foram 3 dias de gravações que contaram com registros dos artesanatos confeccionados e entrevistas com os comunitários que integram a Associação dos Artesãos e Artesãs das comunidades de Nova Pedreira, Vista Alegre e Coroca do Rio Arapiuns (AARTA).

Na última sexta-feira (3), a produtora santarena realizou o pré-lançamento presencial do filme na comunidade Coroca. Os comunitários ficaram felizes com o que viram na tela. Extiveram presentes moradores de Coroca e de comunidades próximas.

Artesãos reunidos com as famílias para assistir pré-lançamento do documentário — Foto: Rute Araújo

O modo de fazer o trançado do Arapiuns

A palha utilizada para fazer o trançado vem do broto do tucumanzeiro, folha espinhosa que demanda cuidados necessários para evitar acidentes. O instrumento utilizado para recolher a palha é a foice. Ela é amarrada na ponta de uma vara e necessita de técnica de manuseio para a sua retirada. Após tirar todos os espinhos, a palha é posta para secar por três dias, sendo a última noite passada no sereno, na umidade do tempo, para ficar clara e macia.

“Quando a gente começou com o artesanato, ele não era valorizado, então a gente vendia por um preço muito baratinho. Desde que a gente se organizou enquanto associação, buscando nossas melhorias e também através de muitas oficinas que fizemos para melhorar a qualidade do nosso produto, então foi agregando ainda mais valor! E hoje a associação estando no nível em que se encontra, isso me deixa ainda mais grata por tudo o que a gente fez e lutou para que se tornasse patrimônio do município”, afirmou a artesã Luziete Correia, uma das entrevistadas do projeto.

Edinéia Matos trançando a palha — Foto: Rute Araújo

Ainda segundo Luziete, as artesãs associadas já sofreram acidentes durante a colheita das palhas. "Já caíram palhas no rosto, já caíram na cabeça, então é um pouco arriscado fazer esse processo e a gente tem que fazer porque é de lá que a gente tira as palhas e o nosso sustento”, explicou.

São utilizados pigmentos naturais para o tingimento, que é preparado com plantas da flora local: folhas, frutos, cascas e raízes que são cozidas junto da fibra para tingi-la. Com o jenipapo fazem a cor preta, com o crajiru o vermelho, com a capiranga o bordô, com o urucum o laranja, com a raiz do açafrão fazem o amarelo e da mistura do jenipapo com o açafrão os tons de verde.

Luziete da Silva Correia contou como é feito o trabalho de limpeza da palha e do artesanato — Foto: Rute Araújo

No entrelaçamento da fibra é possível fazer diferentes técnicas, como a trança grega, a trança de buraquinho, a trança de ponto fechado e de ponto aberto. “Tem comunidades que se identificam mais com ponto aberto e outras que se identificam mais com o ponto fechado”, complementa Elizete.

Fazem ainda o fio da fibra do tucumã utilizado no acabamento das peças. Com isso constroem peças utilitárias e decorativas como mandalas, bolsas e cestos das mais variadas formas e tamanhos.

Patrimônio Histórico e Cultural Imaterial de Santarém

Em abril de 2022, foi sancionado pelo executivo municipal de Santarém o Projeto de Lei número 21.491 que declara os trançados do Arapiuns como patrimônio cultural, histórico e imaterial da região, além de reconhecer as matrizes tradicionais deste fazer, um resgate das culturas indígenas ancestrais.

O artesanato das comunidades tradicionais faz parte da identidade local. A produção sofisticada dos trançados é uma originalidade cultural, expressa a tradição artesanal herdada pelos povos indígenas e constitui uma iniciativa viável, econômica e sustentável para a geração de renda e preservação dos recursos naturais da região.

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